A história desportiva de Walter Nunes se confunde com a sua história no próprio
América. Quando menino, gostava de estudar e de jogar futebol. Daí surgiram dois amores que o
acompanharam, juntamente com um terceiro – o amor pela família –, durante toda a sua vida: o
Direito e o América. Estudioso e autodidata – morando em Natal, mesmo sem frequentar as
aulas, concluiu o curso de Direito em Maceió –, adquiriu densos conhecimentos jurídicos e
filosóficos, com acentuado verniz humanístico. A carranca fechada escondia o ser humano
amável, solidário e essencialmente humano que se revelava para quem tinha o privilégio de
conhecê-lo de perto. Homem culto, excelente orador, de escrita fácil, elegante e erudita,
essencialmente justo, amigo leal ao extremo, desapegado dos valores materiais e dedicado à
família, sentiu-se seduzido pelas idéias comunistas. Era, como se vê, um vermelho convicto: no
futebol, na profissão e na ideologia.
Conselheiro do clube, na sua passagem pelo América nunca deixou de dar,
conforme as possibilidades, sua contribuição financeira e chegou, em momento de crise aguda
no clube, a ponto de o presidente renunciar e ninguém querer assumir, a fazer parte de uma junta
governativa. Todavia, o que merece destaque na sua história no clube, além do reconhecido amor
pelo América, é o seu desempenho à frente do Departamento Jurídico. Foi chefe desse setor do
clube gratuitamente por vários anos e tornou-se especialista reverenciado no Direito Desportivo,
ramo do saber jurídico que até então não tinha doutrina, mas no qual, fazendo uso de sua
condição de autodidata, aprofundou-se, no escopo de bem defender o América e minutar os
contratos dos jogadores. Foram muitos, e renhidos, os embates na arena armada na Justiça
Desportiva. Neste momento, há espaço para contar três episódios jurídicos com consequência
direta nas quatro linhas, sendo um deles referente à justiça comum. Pela ordem cronológica, o
primeiro diz respeito à conturbada final do campeonato de 1977, em que o América, com um
time bastante superior ao do ABC, vencia em campo, porém, no final, um jogador adversário,
após levar o cartão vermelho, provocou confusão generalizada, sendo expulsos os 22 jogadores.
A torcida americana comemorou o título, entretanto a consolidação da conquista apenas se deu
na Justiça Desportiva, com uma sustentação oral impecável feita na tribuna por Walter Nunes,
com o auxílio do videoteipe do jogo.
Em 1979 o América estava em busca do tricampeonato, o que exigiu, no final do
certame, a realização de algumas contratações, dentre elas a do polêmico e saudoso artilheiro
Oliveira Piauí, aqui nominado, em razão de uma entrevista, sacola de gols. Perto da decisão,
devido a um crime ocorrido muitos anos antes, estava marcado o julgamento do jogador perante
o Tribunal do Júri, em Teresina. Como advogado do América, Walter Nunes viajou com o
pebolista – ele gostava de utilizar essa expressão em suas peças – e participou do julgamento.
Resultado: Oliveira Piauí, absolvido, voltou na semana da grande decisão, jogou e marcou o gol
da vitória. Era o América, uma vez mais, campeão, o primeiro tri da era do então Castelão.
O ano agora é o de 1983. O América tinha um excelente goleiro, que marcou
época no clube: Rafael. Em determinada partida, o time sendo garfado, Rafael perdeu a cabeça e,
aproveitando-se do momento em que vários jogadores estavam ao redor do árbitro, desferiu um
pontapé em sua excelência. Expulso, o atleta ficou ameaçado de pegar pesada sanção. A defesa
foi feita por Walter Nunes com uma eloquência argumentativa na tribuna que impressionou a
quem assistiu e suscitou de Laerte Dória, então treinador do clube, o comentário de que até ele,
que viu a agressão, convenceu-se da inocência do jogador.
O América para Walter Nunes era uma extensão de sua família: amava-o,
defendia-o e a ele se dedicava de modo apenas comparável à forma com que, até os últimos
instantes de vida, amou, defendeu e dedicou-se à família e aos amigos.
Walter Nunes da Silva Júnior, filho de Walter Nunes da Silva
A partir de hoje o blog Vermelho de Paixão abre espaço para homenagear os personagens que escreveram a história de 100 anos do América. Envie o seu texto para sergionatalrn@gmail.com.
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