Marinho Chagas receberá todas as homenagens possíveis, imagináveis e intermináveis. Depois de morto. Desde sábado, pelas quatro da tarde, previ o pior ao saber de sua hemorragia em João Pessoa e sua situação definida pelo médico plantonista de forma assustadoramente profissional: ˜Ele está morre, não morre.”
Tratei de avisar a Alex Medeiros, jornalista e botafoguense amigo da Bruxa e ao empresário e ex-presidente do América, Jussier Santos, por mensagem telefônica. Numa das tantas e penúltimas crises de Marinho, silenciosamente como o solidário genuíno, Jussier Santos agiu cumprindo a sua missão: em silêncio e sem aparecer.
Apenas Jussier, eu e Dona Patrícia, a heroica companheira de Marinho Chagas soubemos o que foi feito e ninguém mais. Marinho já não sabia. Marinho voltara ao estágio de criança indomável e desobediente, vítima de uma doença das mais nefastas e incompreensíveis da espécie humana: o alcoolismo, que degrada a moral e atinge a cegueira involuntária da negação.
Sofre o doente, sofre a família, revoltam-se os amigos. Tripudiam os desgraçados. Inapelavelmente derrotado e sem forças, o sujeito promete parar, até se esforça algumas vezes, mas a exclusão social e o organismo dependente mandam mais do que suas próprias vontades.
Não sou médico, mas conheço, na mais aguda dor, a crueza desse cancro. Quando sofri bastante, por alguém que amei e amo muito, contei com poucos e grandes companheiros – entre eles, claro, Jussier Santos.
É impossível não cair no judiado clichê de que o fim era uma crônica anunciada. Se tivesse cobrado royaltes pela utilização mediocre do título de seu maiúsculo livro, o genial Gabriel Garcia Marquez certamente teria usufruído de uma polpuda pensão extraordinária.
Marinho driblou a morte como um Garrincha em três minutos antológicos diante da União Soviética na Copa de 1958, o jogo que assassinou nosso Complexo de Vira-Latas em Copas do Mundo. Se há coisas que só acontecem ao Botafogo, duas delas foram Garrincha e Marinho em epitáfio de ocaso.
Quando Natal se der conta, já estará no longe dos longes sua maior expressão esportiva de todos os tempos. Um menino suburbano que saiu do Riachuelo, um clube mantido pela Marinha, trocado por material esportivo para transformar em recitais de futebol solista, as tardes empoeiradas do modesto e histórico teatrinho de Arena do Estádio Juvenal Lamartine.
Marinho nasceu para o futebol quando cheguei, em 1970. Ajudou, com o Rei Alberi, o ABC a quebrar um jejum de três anos para iniciar a jornada do grande tetracampeonato. Marinho nasceu para ser cometa da bola e no ano seguinte, no Náutico, tornou-se o melhor de sua posição para sempre em Pernambuco.
Nascia a nova e definitiva versão de Nilton Santos, o lateral jogando para o ataque, subvertendo as ordens táticas, reescrevendo a história no campo, que transformou em floresta para as suas elegantes passadas de gazela.
Do Náutico ao Botafogo em 1972. Primeiro ano, primeira Bola de Prata da Revista Placar, menino de sorriso remanescente das peladas de terra batida, ao lado de craques consagrados como Figueroa, Piazza, Ademir da Guia, Paulo Cézar Caju e Alberi, o seu igual em grandeza e exclusividade dos vesperais potiguares.
Marinho foi para a Copa do Mundo em 1974 e brilhou feito um holandês de carrossel vestindo a camisa da retrancada e fracassada seleção do quarto lugar na Alemanha. O mundo o considerou o melhor, em sua posição. Júnior, do Flamengo, declarou e declara que gostava de imitá-lo.
Justamente em Natal, sua aldeia, mediocridades berrantes passaram a duvidar do feito de Marinho. Para o invejoso, é mais dolorosa a glória do invejado do que o seu próprio fiasco, a sua insignificância esférica.
O esporte em Natal é dividido em antes e depois de Marinho. Sempre afirmei com ele vivo, confirmo agora e não discuto mais. Do Botafogo, a estrela loira do Ex-Maracanã, a “bruxa” alegre, tornou-se obsessão do cartola tricolor Francisco Horta, da famosa Máquina do Fluminense que deu ao alvinegro três craques de seleção só pra ficar com Marinho: Rodrigues Neto, Gil e Paulo Cézar Caju.
Quando Pelé seguiu para o Cosmos de Nova Iorque, para ensinar futebol a ianque apaixonado por basquete e beisebol, 150 entre 100 boleiros sonhavam vestir a camisa branca do clube mais rico do planeta. Depois de Pelé, por lá desfilaram Cruijff, Carlos Alberto Torres,Beckenbauer, Chinaglia e Marinho.
Entre 1981 e 1982, Marinho conquistou sua terceira Bola de Prata e o Campeonato Paulista pelo São Paulo de Oscar, Dario Pereyra, Everton, Renato, Mário Sérgio, Serginho e Zé Sergio.
Já estava na fase do prazer. Suas incursões pelo meio-campo rendiam passes precisos, arrancadas em direção ao gol e patadas que sacudiam o Morumbi inteiro. A biografia de Marinho é universal. Ele é adorado pelo mundo afora.
Nos últimos dias, estava ainda mais criança e feliz, pelas proximidades da Copa do Mundo em sua terra. Se dizia embaixador de uma função que não lhe rendia um mísero centavo.
Aliás, lhe foi tirada uma função na prefeitura anos atrás, certamente para sanear todos os problemas financeiros do Município. Natal, péssima mãe, adorável madrasta. Marinho participava de eventos bem menos condizentes com sua história. Lançava camisas, frequentava troca de figurinhas onde era o centro das discussões e apresentava uma lucidez luminosa.
O destino, meia-armador malandro, levou Marinho para João Pessoa. Cercado de carinho paraibano, teve uma crise, sangrou e morreu. Seu organismo de touro já não resistia. Enquanto agonizava, abutres da internet bizarra enviavam comentários desclassificantes contra sua honra.
Marinho está morto e a nova ordem (tardia) é “Viva Marinho!”. Há 15 dias, quando o advogado Miguel Josino, figura da cidade, partiu depois de sofrer acidente doméstico, escrevi que há pessoas incompatíveis com caixões. Marinho é desse time. Não vou vê-lo morto. Nem ouvir os discursos compungidos e hipócritas de quem vai se aproveitar do luto.
Ouvirei, muito, Clara Nunes e Paulo Gracindo em Brasileiro, Profissão, Esperança, espetáculo baseado em crônicas de Antônio Maria e canções compostas com Dolores Duran Marinho, brasileiro, profissão e esperança(perdida). “Dorme, Menino Grande”, é o poema de Antônio Maria ao descanso e paz de Marinho Chagas.
Tratei de avisar a Alex Medeiros, jornalista e botafoguense amigo da Bruxa e ao empresário e ex-presidente do América, Jussier Santos, por mensagem telefônica. Numa das tantas e penúltimas crises de Marinho, silenciosamente como o solidário genuíno, Jussier Santos agiu cumprindo a sua missão: em silêncio e sem aparecer.
Apenas Jussier, eu e Dona Patrícia, a heroica companheira de Marinho Chagas soubemos o que foi feito e ninguém mais. Marinho já não sabia. Marinho voltara ao estágio de criança indomável e desobediente, vítima de uma doença das mais nefastas e incompreensíveis da espécie humana: o alcoolismo, que degrada a moral e atinge a cegueira involuntária da negação.
Sofre o doente, sofre a família, revoltam-se os amigos. Tripudiam os desgraçados. Inapelavelmente derrotado e sem forças, o sujeito promete parar, até se esforça algumas vezes, mas a exclusão social e o organismo dependente mandam mais do que suas próprias vontades.
Não sou médico, mas conheço, na mais aguda dor, a crueza desse cancro. Quando sofri bastante, por alguém que amei e amo muito, contei com poucos e grandes companheiros – entre eles, claro, Jussier Santos.
É impossível não cair no judiado clichê de que o fim era uma crônica anunciada. Se tivesse cobrado royaltes pela utilização mediocre do título de seu maiúsculo livro, o genial Gabriel Garcia Marquez certamente teria usufruído de uma polpuda pensão extraordinária.
Marinho driblou a morte como um Garrincha em três minutos antológicos diante da União Soviética na Copa de 1958, o jogo que assassinou nosso Complexo de Vira-Latas em Copas do Mundo. Se há coisas que só acontecem ao Botafogo, duas delas foram Garrincha e Marinho em epitáfio de ocaso.
Quando Natal se der conta, já estará no longe dos longes sua maior expressão esportiva de todos os tempos. Um menino suburbano que saiu do Riachuelo, um clube mantido pela Marinha, trocado por material esportivo para transformar em recitais de futebol solista, as tardes empoeiradas do modesto e histórico teatrinho de Arena do Estádio Juvenal Lamartine.
Marinho nasceu para o futebol quando cheguei, em 1970. Ajudou, com o Rei Alberi, o ABC a quebrar um jejum de três anos para iniciar a jornada do grande tetracampeonato. Marinho nasceu para ser cometa da bola e no ano seguinte, no Náutico, tornou-se o melhor de sua posição para sempre em Pernambuco.
Nascia a nova e definitiva versão de Nilton Santos, o lateral jogando para o ataque, subvertendo as ordens táticas, reescrevendo a história no campo, que transformou em floresta para as suas elegantes passadas de gazela.
Do Náutico ao Botafogo em 1972. Primeiro ano, primeira Bola de Prata da Revista Placar, menino de sorriso remanescente das peladas de terra batida, ao lado de craques consagrados como Figueroa, Piazza, Ademir da Guia, Paulo Cézar Caju e Alberi, o seu igual em grandeza e exclusividade dos vesperais potiguares.
Marinho foi para a Copa do Mundo em 1974 e brilhou feito um holandês de carrossel vestindo a camisa da retrancada e fracassada seleção do quarto lugar na Alemanha. O mundo o considerou o melhor, em sua posição. Júnior, do Flamengo, declarou e declara que gostava de imitá-lo.
Justamente em Natal, sua aldeia, mediocridades berrantes passaram a duvidar do feito de Marinho. Para o invejoso, é mais dolorosa a glória do invejado do que o seu próprio fiasco, a sua insignificância esférica.
O esporte em Natal é dividido em antes e depois de Marinho. Sempre afirmei com ele vivo, confirmo agora e não discuto mais. Do Botafogo, a estrela loira do Ex-Maracanã, a “bruxa” alegre, tornou-se obsessão do cartola tricolor Francisco Horta, da famosa Máquina do Fluminense que deu ao alvinegro três craques de seleção só pra ficar com Marinho: Rodrigues Neto, Gil e Paulo Cézar Caju.
Quando Pelé seguiu para o Cosmos de Nova Iorque, para ensinar futebol a ianque apaixonado por basquete e beisebol, 150 entre 100 boleiros sonhavam vestir a camisa branca do clube mais rico do planeta. Depois de Pelé, por lá desfilaram Cruijff, Carlos Alberto Torres,Beckenbauer, Chinaglia e Marinho.
Entre 1981 e 1982, Marinho conquistou sua terceira Bola de Prata e o Campeonato Paulista pelo São Paulo de Oscar, Dario Pereyra, Everton, Renato, Mário Sérgio, Serginho e Zé Sergio.
Já estava na fase do prazer. Suas incursões pelo meio-campo rendiam passes precisos, arrancadas em direção ao gol e patadas que sacudiam o Morumbi inteiro. A biografia de Marinho é universal. Ele é adorado pelo mundo afora.
Nos últimos dias, estava ainda mais criança e feliz, pelas proximidades da Copa do Mundo em sua terra. Se dizia embaixador de uma função que não lhe rendia um mísero centavo.
Aliás, lhe foi tirada uma função na prefeitura anos atrás, certamente para sanear todos os problemas financeiros do Município. Natal, péssima mãe, adorável madrasta. Marinho participava de eventos bem menos condizentes com sua história. Lançava camisas, frequentava troca de figurinhas onde era o centro das discussões e apresentava uma lucidez luminosa.
O destino, meia-armador malandro, levou Marinho para João Pessoa. Cercado de carinho paraibano, teve uma crise, sangrou e morreu. Seu organismo de touro já não resistia. Enquanto agonizava, abutres da internet bizarra enviavam comentários desclassificantes contra sua honra.
Marinho está morto e a nova ordem (tardia) é “Viva Marinho!”. Há 15 dias, quando o advogado Miguel Josino, figura da cidade, partiu depois de sofrer acidente doméstico, escrevi que há pessoas incompatíveis com caixões. Marinho é desse time. Não vou vê-lo morto. Nem ouvir os discursos compungidos e hipócritas de quem vai se aproveitar do luto.
Ouvirei, muito, Clara Nunes e Paulo Gracindo em Brasileiro, Profissão, Esperança, espetáculo baseado em crônicas de Antônio Maria e canções compostas com Dolores Duran Marinho, brasileiro, profissão e esperança(perdida). “Dorme, Menino Grande”, é o poema de Antônio Maria ao descanso e paz de Marinho Chagas.
Por Rubens Lemos Filho
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