14 de fev. de 2014

Seletivo, 40 anos - por Rubens Lemos Filho

Um dos episódios principais da dramaturgia do futebol potiguar começou há exatos 40 anos. O seletivo de três partidas entre ABC e América para definir o representante no Campeonato Nacional de 1974.
Natal vivia a fase frenética dos primeiros anos do Estádio Castelão e o público em clássico chamava atenção quando era menor do que 30 mil torcedores. Qualquer dúvida, há registros bem arquivados.
Em 1972, o ABC, primeiro participante do Rio Grande do Norte na divisão principal, foi suspenso por três anos de competições nacionais. O caso é de anedotário, ainda que terrível o desfecho.
Autorizado pela Federação Norte-Rio-Grandense de Desportos(FND), o clube escalou contra o Botafogo (RJ) dois jogadores suspensos, o quarto-zagueiro Nilson Andrade e o lateral-esquerdo Rildo, da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1966.
A Federação confiou no aval sem documento da CBD(hoje CBF), que não publicou a punição a Nilson Andrade e Rildo, expulsos na partida anterior, batalha de Waterloo Sertanejo contra o Ceará em Fortaleza. Sem os nomes no boletim oficial, presumiu a cartolagem, ambos estariam livres.
O amadorismo superou as trapalhadas de Renato Aragão, começando a fazer sucesso entre a meninada. Sem estar regularizado, também jogou o meia-armador Marcílio, trazido do Bonsucesso para substituir o titular Danilo Menezes, com hepatite A, do tipo benigno.
Era a penúltima partida do Nacional, o ABC cumpria tabela na rabeira da classificação e o Botafogo foi devidamente avisado de que ganharia os pontos. A delação é atribuída ao próprio técnico do ABC, Célio de Souza, e a Rildo.
O lateral visitou a delegação carioca no Hotel dos Reis Magos, então um brinco arquitetônico e não o visual de Vietnam bombardeado atual que será derrubado em função do descaso de décadas de abandono .
O Botafogo caprichou na farra com Jairzinho, o Furacão do Tricampeonato Mundial no México, o filho ilustre de Natal, Marinho Chagas, Fischer, Nei Conceição e Carlos Roberto. Acompanhados por beldades recrutadas não exatamente nos puteiros institucionais da Ribeira, os craques beberam e jogaram-se aos lençóis.
No jogo, entediados, perderam por 2×1. Alberi e Petinha marcando para o ABC. Zequinha para o Botafogo. O dia 25 de novembro de 1972 teria efeito funeral.
Punido, o ABC, com vaga garantida para o Brasileiro do ano seguinte pelo tetracampeonato estadual, viu o América ocupar seu lugar com brilho, fazendo a melhor campanha do Norte-Nordeste e conquistando a Taça Almir instituída pela Revista Placar.
Ao alvinegro, restou a excursão para a Europa e África em 1973, 102 dias de distância de sua torcida e uma epopeia de belos jogos e a natural explosão de saudade dos jogadores.
Articulações de bastidores e apelos políticos verborrágicos permitiram a anistia do ABC em janeiro de 1974, time fora de forma e com perspectiva de disputar apenas torneios sem graça.
Os dirigentes atravessaram noites regadas a uísque, pressão e o impasse: de quem seria a vaga local? O ABC estava livre e era o campeão estadual( em 1974 só começou no segundo semestre) critério usado para a indicação. Mas como sacrificar o América, já em preparação e com o cacife da bela campanha?
Uma cabeça lúcida entre as tantas desnorteadas na sala da FND no Estádio Juvenal Lamartine sugeriu e a CBD determinou que tudo fosse resolvido no lugar certo: no gramado. Quem vencesse, estaria dentro. O seletivo começava a demarcar um novo ciclo no futebol local. Mudança de ritmo, passagem de cetro.
Na primeira partida, no dia 6 de fevereiro, a torcida do ABC orou no terço de sua torcedora-símbolo, Dona Nazareth, hóspede de vários jogadores no seu Hotel Casa Grande, no centro da cidade. O América mereceu vencer mas 25. 349 pagantes saíram tensos com o 0×0.
A segunda partida foi dia 10, domingo, 30.700 pagantes no estádio. O ABC famoso de Alberi e Danilo Menezes sucumbiu a Washington, melhor da partida e autor de dois gols. Foi 3×1 para o América que jogaria pelo empate o último confronto.
A Frasqueira acordou no dia 13 de fevereiro, hora de matar ou morrer.O Castelão recebeu 42.119 almas ansiosas sem contar os mortos rompedores de tumbas. O ABC fez 1×0 com Alberi, o predestinado Washington empatou e o estádio balançou no segundo gol alvinegro, marcado pelo lateral Anchieta. ABC 2×1 e prorrogação. Em novo empate, pênaltis, final grego de ABC x América.
Aos 8 minutos do segundo tempo da prorrogação, surge o predestinado, entidade de vários deuses filhos do mistério. Um escanteio cobrado da direita com força e rebatido pela zaga do ABC.
Na meia-lua, esperando rebote trivial, o baixinho juvenil David meteu a cabeça, despretensioso. A bola encobriu o adiantado goleiro Erivan e caiu dentro da trave, sem tocar as redes. Gol do América. Classificado para o Brasileiro. Ponto de partida para a retomada da hegemonia somente recuperada pelo ABC em 1976.
David ganhou prêmios em elogios e dinheiro. Verbo farto, grana comedida. O Rei David saiu do anonimato e viveu sua glória fugaz. Jogou longos anos no América, sem projeção. Para a biografia, basta ser para sempre o herói do lendário e eletrizante seletivo.
Com você, o Mecão é ainda mais forte. Seja Sócio!

4 comentários:

Anônimo disse...

Viagem maravilhosa.. texto bem elaborado e etc,etc,etc.. parabéns.

Anônimo disse...

Eu estava lá . Lembro muito bem da cabeçada de D AVID.

Carlos Raimundo ---MECÃO sempre em frente

Anônimo disse...

A Taça Almir (Copa Norte-Nordeste) foi a maior conquista, maior feito feito de toda a história do América, por isso aqui vai a sugestão de quem vivenciou esta conquista: Nas próximas camisas a serem confeccionadas deveria ser colocada mais uma estrela - grande - acima das outras já existentes. Seria mais um orgulho de todo torcedor americano.

João Brito disse...

O texto está bonitinho e tudo mais, porém escrito por um abecedista...tem outras nuances nesse relato aí: Até o fim da era JL o ex-querido pintava e bordava nos bastidores da FNF, juntamente com uma boa parte da mídia local a respaldar um monte de benesses em favor do ex-querido, o fato é que o então presidente da federação o Dr. João Machado quis testar sua autoridade sobre a CBF e autorizou a escalação dos jogadores do abc, vindo a punição do abc em seguida e a brilhante participação do América RN no Brasileiro de 1974. Era tempo de Ubirajara, Ivan, Scala Mário Braga e Cosme, Jangada, Pedrada, Paura e Helcio Jacaré, salvo engano. Depois desse episódio, fizeram um arrumadinho, esse tal quadrangular, para ver se o ex-querido entrava na fila novamente, porém o tiro saiu pela culatra: O América ganhou e continuou a sua escalada na era do novo Estádio Castelão, nome dado ao Ex-Presidente da República Humberto de Alencar Castelo Branco. Para mim a arrancada do América como time de maior expressão no futebol potiguar e maior torcida se deu devido à esse episódio. Por esse pequeno exemplo vocês podem calcular o que eles não fizeram a nível local para o ex-querido ganhar uns tantos 10 títulos aí à època de um determinado presidente da FNF que também acumulava a presidencia do ex-querido e que chegou a ter uma Matriz e uma Filial no campeonato local. Essa é uma outra História e ela está registrada em reportagens no Jornal Diarío de Natal e O Poti. A quem interessar possa é só pesquisar: História não se apaga.

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