13 de abr. de 2013

Sílvio, gol de sonho


Temi pela vida de Primo Eimar Marinho naquela noite de janeiro de 1990. Imaginei que perderia uma das figuras mais queridas de minha vida. Estávamos atrás do gol dos fundos do Palácio dos Esportes. O ginásio silencioso como cemitério ali na Praça Pedro Velho.
Noite de decisão. O ABC vencia o América por 2x1 e restavam cinco míseros segundos para a partida acabar e a decisão ser adiada para uma partida extra. Primo Eimar, americano, estava comigo e o irmão, Luiz Alberto, no meio da massa alvinegra que somente esperava a hora de acabar a partida e comemorar.
Foi quando, numa distração fatal, a rede da trave extrema balançou como se recebesse um bólido de terceira guerra. Primo Eimar saltou sozinho em meio à multidão e festejou o 2x2 do tricampeonato do América correspondente a 1987/1988/ 1989.
Eram outros tempos, muita gente olhou feio e Primo Eimar continuou ao pulos de olhos arregalados de transe incrédulo. Em meio ao funeral em preto e branco, ele erguia os braços, moralmente renascido.  Hoje, com o clima presidiário no esporte, estaria mortinho da silva.
Sílvio. Sílvio Ricardo Maia, o mais completo jogador dos meus tempos de criança, adolescente e adulto iniciante, marcou o gol salvador do América e assassino do ABC. Bateu um tiro livre direto do seu lado, bem perto de onde estava o monstruoso goleiro Sérgio Boinho. Enorme, gordo, Boinho parecia uma águia de agilidade.
Sílvio chutava como Charles Bronson atirava, em desejo de Matar. Forte, certeiro e de onde estivesse. Gileno, o pivô do ABC, estava marcando o craque do América, tentando ao máximo evitar o toque em seu corpo para não fazer a sexta falta. Sílvio, em fintas curtas, driblou-o e ao operário Juca, um dos mais completos, corajosos e competentes do futebol de salão potiguar.
Aí foi marcada a falta que gelou a espinha da torcida do ABC. O instinto pistoleiro de Sílvio era famoso. Decidiu vários clássicos em patadas de sem-pulo recebendo arremessos laterais naquela época cobrados com a mão pelo esforçado central(agora é fixo), Lola, alto e magro.
O goleiro do ABC também inspirava confiança. Um sarará. Galego típico, tão branco de pele que foi apelidado de Fábio Arroz. Elasticidade fantástica. Do chão, subia ao ângulo e espalmava. Arremessava com precisão de um lançador de futebol de campo. Punha a cara na bola.
Fábio saiu à tradição Tabajara dos grandes arqueiros. Mazureik chegou a ser campeão mundial pela seleção brasileira em 1992. Matheus ainda está entre os cinco melhores do país, defendeu o ABC no qual foi hexacampeão (nunca vi parecido por aqui) e grandes clubes do Sudeste e Sul. Andreoni também foi bem seguro.
Fábio, num átimo de soberba, dispensou a barreira. Mais medo na torcida do ABC. Frisson na do América. O ginásio estava, como sempre, superlotado, gente pendurada no teto, é verdade, pesquisem as fotografias da época.
Ficou um duelo à distância. Sílvio contra Fábio. Sílvio tomou distância e bateu com violência e colocação de sniper. Fábio quis esnobá-lo e ensaiou uma troca de mãos. Quando deu conta de que estava vivo e no espaço terrestre, a bola voltava de dentro do gol e o América explodia em festa. Os jogadores do ABC sentavam na quadra de decepção.
Foi o momento épico de Sílvio. Encontrei com ele há poucos dias. Tome papo. Recordações do velho Palácio dos Esportes. Ele ainda pôs feitiço mediúnico no gol histórico. Contou que o técnico Arturzinho, lenda do futebol de salão potiguar, estava inquieto nos treinos antes da partida.
Conversando às vésperas do clássico com Sílvio fez uma revelação fantasmagórica: "Tenho sonhado com Cezimar Borges. É sempre a mesma coisa. Ele me diz que o jogo vai ser difícil, mas que nós vamos vencer no final."
Cezimar Borges, boêmio, exímio tocador de violão e dono de uma ternura maior que o Rio Grande do Norte, foi companheiro de Arturzinho na seleção potiguar de futebol de salão.
Cezimar, também amigo de farras e confidências de papai, foi genial no gramado calvo do Estádio Juvenal Lamartine e nos tablados do futebol de salão dos ginásios Sílvio Pedroza e Palácio dos Esportes. Fazendo golaços de bicicleta e aplicando dribles desconcertantes. Cezimar morreu de ataque cardíaco antes de fazer 50 anos, em 1984.
Sílvio, no chutaço que até hoje sacode a alma americana, estava com Cezimar dentro dele, como um jogador invisível a mais somando com o brilho decisivo para a conquista vermelha. Sílvio teria vaga no time de Cezimar. Fácil. Teriam feito músicas em tabelinha.
O ABC não quis Sílvio. Não acreditou nele. Que  era juvenil no gramado e foi dispensado, por ter aceito uma proposta para ganhar mais nas quadras pelo adversário.
O ABC poderia ter evitado a tristeza de féretro de sua massa. E a euforia berrante do Primo Eimar numa noite que se acende a cada passagem pelo Palácio dos Esportes em silêncio de sepulcro.

Rubens Lemos Filho - Jornalista
Publicado no Jornal de Hoje - edição do dia 11/04/2013 


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9 comentários:

Anônimo disse...

Eu pensava que tinha sido gol de Lola e que o goleiro do Abc era Alex, já falecido, irmão de Sérgio Boinho.

Anônimo disse...

Lembro demais desse jogo e vibrei como nunca. Como sempre o América nos últimos segundos conquistando títulos contra o Abc, até no futsal, rsrs.

Anônimo disse...

eu estava escutando este jogo pela radio cabugi muita emoçao chorei sozinho no meu quarto bora mecao !

Anônimo disse...

maravilhosa matéria escrita pelo jornalista RUBENS LEMOS FILHO. eu estava no palácio dos esportes, posso dizer, foi uma das maiores emoções da minha vida em termos de futebol.

Anônimo disse...

Tinha 12 anos, mas me lembro muito bem deste jogo e este gol ficou marcado na minha lembrança dos jogos de Futsal no Palácio. Jogava futsal na escola e não perdia por nada as rodadas de Futsal no palácio com ABC, Bandern, Aspetro e principalmente América. Sem sombra de dúvida, este gol do Silvio faltando 5 segundos, carimbou o meu título de grande Americano, porque vibrei tanto naquele gol que depois daquele momento, não podia me imaginar torcendo para qualquer outro time. Depois desta conquista teve até uma comemoração com bastante Pizza, petiscos e cerveja. Pela minha idade, fiquei na pizza mesmo.

Sandro Damasceno

Anônimo disse...

Lembro-me desse jogo como hoje, tinha sete anos de idade e estava com meu Pai! A vibração foi tão grande que meu pai abraçamos até os policiais que estavam ao nosso lado!
Inesquecível!

Renato

Anônimo disse...

Estava neste jogo... Era um dos que estava pendurado no teto. Noite magica como so o esporte proporciona. Aquela época todos assistiam os jogos juntos, os amigos que torciam pelo America e pelo abc...algo inimaginável nos dias de hoje! Uma pena. Otimo texto, sobretudo por ter vindo de um abecedista que além de admirador do esporte é tambem um craque com as palavras. E o gol foi demais!!!!! Tales Barbalho

Carrasco disse...

A narração de Hélio Câmara para esse gol é de arrepiar. A torcida do Abc já comemorava a vitória que adiaria a decisão quando Sílvio soltou aquele balaço do meio da rua e empatou a partida dando o título direto ao Mecão. Tempos áureos do futsal, que infelizmente não voltam mais. Dois times de alto nível.
Depois dessa época o futsal caiu no ostracismo, talvez ocasionado pelo duro golpe de não ter sido reconhecido como esporte olímpico.
O América é recordista de títulos e é bom que se frize, que para o Abc ter sido hexacampeão(estava licenciado á mais de dez anos)pegou todo o time do Mecão, mais o técnico e os reservas(faltou só as camisas)pois o alvirubro não tinha mais nenhum estímulo para jogar já que não tinha adversários á altura e tinha perdido seu principal patrocinador.

Anônimo disse...

SERGIO. LI ERELI A CRONICA DE RUBENS LEMOS SOBRE O GOL DE SONHO DE EIMAR MARINHO,FIQUEI CONTENTE DE SABER QUE MEU AMIGO E COMPANEIRO CEZIMAR AINDA ÉH LEMBRADO MESMO QUE EM BONS SONHOS,JOGAMOS JUNTOS PELO AMRRICA QUE AMO DE PAIXAO ATE HOJE. MARÇAL (GOLEIRO DO MAIS QUERIDO BI CAMPEAO EM 1957 NO JUVENAL LAMARTINE)LEMBRA?ABRAÇOS....

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