8 de fev. de 2013

Wallace Costa - por Rubens Lemos Filho

 imagem/acervo de Ribamar Cavalcante

Conheci Wallace Costa nas cadeiras intermediárias do Estádio Castelão (Machadão). Um setor ecumênico bem classe média e típico dos anos 1970. Abaixo das cabines de rádio, torcedores de ABC e de América assistiam juntos aos clássicos sem maiores exaltações que não fossem xingamentos bíblicos das tardes de por de sol de domingo.
Quando Wallace Costa me foi apresentado como craque, não tive dúvidas de que estava diante de um, legítimo. Suas pernas arqueadas, dos dribladores perdidos no passado, emprestavam-lhe o charme de habitué da meia-esquerda, função nobre e restrita a quem amaciava a bola com as chuteiras.
Um detalhe sempre me marcou em Wallace Costa. Um homem de rara simpatia e muitos amigos. No dia em que Rubão me levou até ele, estava cercado por uma legião num dos bares antes de um ABC x América decisivo.
Wallace parecia um cowboy latino, rosto fechado e olhos bem abertos, como a passear pelas arcadas do estádio e se fixar nas veredas do campo, a enxergar um talento brotando nas partidas preliminares. Seu sorriso , de mármore.
A época (como sempre), estava difícil a vida para papai. Metido nos redemoinhos do idealismo, envolvera-se numa eleição perdida em 1978, misturando a função de Assessor de Imprensa com a de militante sonhador. Fez discurso, desfez amizades, chorou prantos doídos  pelo candidato ao Senado, Radir Pereira, do MDB, derrotado por Jessé Freire, da Arena.
As portas do radicalismo se fecharam e os microfones silenciaram para ele, o grande comentarista da cidade. A amizade de Wallace Costa, ao contrário,  sempre foi intensa e solidária, presente e destemida, ainda que sem arroubos de exibicionismo verbal. Wallace, fora das quatro linhas, era um contido, um discreto.
Os dois, a cada domingo de encontro nos bancos de igreja onde não se sentavam os cardeais de verdade, trocavam confidências, analisavam os times locais, previam resultados, discutiam táticas.
Wallace ouvia mais. No máximo, murmurava. Rubão falava e, gesticulava e, como de hábito, um aglomerado se formava, para compartilhar da discussão, como se o mundo fosse, de fato, acabar aos 90 minutos de jogo.
Confesso que velórios estão se transformando numa funesta rotina. Amanheci com uma mensagem no celular enviada por Izabel, minha mulher, que saíra cedo ao trabalho: "O pai de Lela morreu". Lela é Valéria, filha de Wallace, companheira de trabalho em tempos passados, mulher construída de uma alegria exuberante, estilo diferente do pai.
A morte de Wallace me trouxe, como na repetição dos filmes  tristes de Giuseppe Tornatore, a imagem dos bancos de igreja do Castelão, nome da época. Lá fui me despedir de Wallace, com quem trocava papos monossilábicos e aprendia nas suas observações técnicas sobre domínio de bola e posicionamento de jogadores.
Remanescentes da Velha Guarda estavam lá. Bira Motta, Jorge Moura, Aluisio Cabral, o Pingo (sósia de Arthurzinho, do Bangu), Wilton, Zilson Eduardo Freire, árbitro dos melhores de futebol de salão e campo de Natal, José Rocha, ex-presidente do América.
Todos na faixa etária de Wallace, que morreu aos 78 anos na surpresa covarde dos ataques cardíacos. Todos lembrando detalhes dos arquivos memoriais que a cidade de hoje tanto despreza em seu modernismo de falso chique.
Jogadas de Wallace, cortes  e lançamentos em profundidade no teatro de arena do Estádio Juvenal Lamartine, onde brilhou e foi campeão pelo América e o ABC. Fez gol de bicicleta, um escândalo maravilhoso segundo os jornais da época, numa vitória sobre o Alecrim.
Os homens de história para contar deixavam rolar as lágrimas e soltavam a saudade do amigo que formou, com Gilvandro, Juarez, Saquinho e Cezimar, um dos maiores ataques do América na década de 1950 (bi 56/57) para encerrar carreira  ao lado de Jorginho, o Professor, no ABC.
Wallace, que não vi jogar, é outro retrato arrancado da vida.
Foi o primeiro técnico campeão do Castelão (Machadão) pelo ABC em 1972 e poucos citavam seu êxito. No fundo do seu peito, havia um sincero lamento pelo esquecimento tão comum no caráter da cidade. Nascido  um forasteiro, teria sido comendador pelo feito histórico.
Descobridor de craques, campeão por seleções juvenis do Rio Grande do Norte, no ABC e no América, Wallace Costa nunca pediu que ninguém imitasse seu estilo. Apenas sabia, como um bom ourives, pinçar e lapidar as melhores pedras.
Wallace Costa,  olhar de enigma. Sentado nos bancos de igreja, mortos antes dele na destruição do Castelão (Machadão), desfalca a meia-esquerda de uma geração de exuberância e sentimento.

Publicado na Coluna Passe Livre JH, do jornalista Rubens Lemos Filho no  dia 07/02/2013
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1 comentários:

Ribamar Cavalcante disse...

Parabéns ao grande desportista Rubens Lemos Filho. Jornalista de alto nível. Profissional competente. O texto acima, deixa a familia americana ciente da importância do ex-atleta para o time da Rodrigues Alves. Wallace Costa, contribuiu muito para o engrandecimento do time alvirrubro. Aproveito o espaço, para informar aos jovens torcedores, a escalação do time acima
Da esquerda para direita: Em pé, Gilvandro, Saquinho, Juarez, Wallace e Cezimar; agachados,
Chico, Papagaio, Mauricio, Marçal, Edvaldo e Mauro.Equipe da conquista do bi-campeonato 56/57

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