14 de jan. de 2013

Romildão - por Rubens Lemos Filho

Ele parte da defesa em obstinação  marcial. Vai passando pelos adversários como se os perfurasse. Não corre, está trotando. O jogo segue 0x0 e o América, com Dedé de Dora e Lauro no meio-campo, envolve o ABC que sai em contra-ataques e estocadas pelas pontas, com Sandoval e o arisco Escurinho.

Há 22 mil pessoas no Castelão(Machadão) naquela tarde e noite de 21 de agosto de 1988, um dia após meu 18o aniversário e a maioridade atingida já dentro de uma redação de jornal. Me deram folga e pude exercitar, na plenitude, o direito de torcedor, espremido entre os alvinegros no anel gigante chamado de Frasqueirão.

O homem alto e de ombros largos segue até a grande área do ABC como um gladiador esbarrando em seus contendores. Derruba no choque o veterano Carlos Alberto Garcia, ex-Vasco(RJ), tromba e faz desabar o franzino e hábil volante Alciney, um dos mais clássicos produzidos na dobra continental de Poti, invade o território protegido pelo zagueiro Joel, bom de bola e de porrada.

O América precisava da vitória para continuar lutando no segundo turno(havia ganho o primeiro com um 5x0 no ABC) e pressionava, com o atacante Baíca enlouquecendo o lateral Tiê. Pelo lado direito do América, um escanteio.

Bem defronte à torcida rubra, que formava uma massa compacta e incessante no grito. Aquela trave que foi batizada de "Gol da BR".  Incrível ter de criar  pontos de referência dentro do saudoso Machadão.

O homem alto de camisa 4 desvencilha-se de Joel e Divino, o miolo de zaga de então e mete a testa com força, sem subir um palmo do chão. O cruzamento foi um chute forte e o zagueirão Romildo, o centurião vermelho, meteu a cabeça.

O ótimo goleiro César, que havia sido campeão no América e no Alecrim, apenas assistiu o balançar das redes, bola no ângulo. Nas imagens do arquivo da TV Cabugi(Globo), é espetacular a pancada de Romildo e o salto explosivo da torcida no segundo seguinte.  O América venceu por 1x0. Perderia o turno, mas seria bicampeão. Romildo de capitão.

Pouco se escreve ou se fala sobre Romildo Freire de Lima, lá da Cidade da Esperança, o capitão que mais levantou taças na era pós-Juvenal Lamartine. Em 1988 e 1991 pelo América e cinco vezes pelo ABC, para o qual foi contratado pelo dirigente Leonardo Arruda ao Ferroviário(CE) em 1992.

Tecnicamente, Romildo jamais foi um primor. Sua força sempre foi o extrato da raça, a sua liderança sem autopromoções. Precoce, nato.

Aos 17 anos, vestia a camisa titular do América e foi sequestrado, agora usando um termo bem próprio dos repórteres policiais da época "Na calada da noite" pelo Náutico. Passou quase um ano sem jogar durante a pendenga judicial e acabou voltando.

O Náutico foi aquele namoro a ser resolvido. Para lá voltou e foi campeão em 1989, também levantando a taça. Jogou até 1990. No intervalo, empréstimo ao Vasco(RJ). Sem chances num esquadrão com Donato e Fernando de titulares. Do que Morôni, hoje técnico dos sertões, o imediato reserva dos dois, Romildo jogava zilhões de vezes mais.

Romildo chega ao ABC contratado pelo cartola Leonardo Arruda e a faixa de capitão parece voar ao seu braço. Bem natural o entrosamento entre ele e a distinção do comandante.  Perde o primeiro campeonato em 1992 e comanda, como um touro de antecipação e desarmes perfeitos, a recuperação do ABC a partir de 1993. É capitão e campeão. Em 1994. É capitão e campeão. Em 1995. É tri. E capitão.

O ABC perde em 1996 por uma falha grotesca do goleiro Márcio, trazido do Gama(DF), por pressões absurdas de guetos de torcedores pela demissão(concretizada), do técnico Ferdinando Teixeira após ganhar um turno. O América leva Ferdinando, traz o bruxo Moura, o goleiro Jorge Pinheiro, Wanderley e o volante Washington Lobo. Ganha o Estadual e conquista vaga na Série A.

Romildo segue no ABC como referência. A Frasqueira berrava seu nome como bálsamo de salvação a cada perigo. Vence o campeonato de 1997. Capitão. Faz um dos gols de ABC 5x0 América, devolvendo a surra que ele ajudou a construir nove anos antes. Campeão em 1998. Capitão. Em 1999, é afastado sem gratidões. O ABC traz um cracaço, Mário César, para a posição.

Nas miragens que surgem do pó do estádio demolido, sempre estará, ao final de cada campeonato, o mulato forte, sujeito simples, pacato e guerreiro em campo, erguendo uma taça para a torcida, de ABC ou América atingir o orgasmo de ser campeão.


 Crônica do jornalista Rubens Lemos Filho publicada na coluna Passe Livre do Jornal de Hoje em 14/01/2013
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