Rubens Lemos Filho (jornalista)
A impressão que ele sempre me passou, do longe dos meus olhos e do desejo de vê-lo com a camisa igual à minha, foi a de um monarca da paz em campo. Seu jogo desafiava a aparência de lentidão com a classe temperando o arranque felino das panteras.
Mas ele transmitia paz. Nos seus toques, dribles, cobranças de falta. Na batida de bola de "chapa", a parte interna do pé, charme que a natureza reservou para os privilegiados da bola. Moura, do América, conseguiu aliar ao futebol seu próprio jeito de ser.
Em 1996, o ABC contava com um campeonato ganho por antecipação, o suicídio em verbete do futebol. Era o franco favorito e caminhava solene para o tetracampeonato. Até a chegada de Moura, do goleiro Jorge Pinheiro, do volante Washington Lobo.
Moura estava no Sport, sem a atenção que lhe era indispensável por títulos e clássicos vencidos no calor humano escaldante da Ilha do Retiro, na aristocracia em pequeno espaço geográfico dos Aflitos, território do Náutico e na democracia cativante do Arruda, gigante do povo humilde do Santa Cruz.
O América trouxe Moura. E a energia de sua presença com a camisa 10 mudou o rumo da prosa escrita e o seu final. Moura, que surgiu em Brasília, de atacante, descobriu-se em Natal um meia-atacante e armador de domínio sobre cada partida.
Moura, que o narrador Hélio Câmara batizou, com precisa paixão de O Paquistanês, ostenta, no semblante, aspectos de profeta árabe. O seu alcorão sempre foi a doutrina da sutileza, a capacidade de eletrizar um jogo sem perder a elegância.
Enganaram-se os que incluíram no repertório de Moura a frieza. Ele jamais foi um ser artificial. Craque lida com emoção popular e Moura, pairando pela meia-cancha, surgindo por trás do beque e dando o bote no goleiro, traduzia o sentimento literal da beleza de um jogo.
Moura vestiu a camisa do América e saiu pelo Machadão. E acabou o sossego alvinegro naquele 1996, com o arrogante Estevam Soares tramando esquemas que o monarca vermelho destruía numa ginga de corpo sobre o bom e falecido volante Ivanildo ou sobre o paranaense Marquinhos Ferreira, correto e também vencido com lealdade.
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O ABC perdeu o campeonato de 1996. Moura bateu uma falta de curva, no primeiro jogo das finais. Lembro que estava na arquibancada olhando o lance em diagonal, o Frasqueirão era do lado que dá para a avenida Romualdo Galvão e um pouco para a BR-101.
Moura ajeitou a bola com uma calma tibetana. O ABC tinha de quarto-zagueiro Romildo, um dos maiores campeões do Rio Grande do Norte, capitão de raça e fibra. Romildo e o seu companheiro Mozer tentaram atrapalhar a cobrança, apontando ao juiz o local que consideravam certo, claro, mais para trás.
Moura, mãos na cintura, parado, esperando a encenação passar e as duas torcidas berrando. A do ABC, aos palavrões, tentando enervá-lo. A do América, ansiosa pelo desenlace em vibração.
Depois de dois minutos de espera, Moura chutou. Ou arremessou de pé direito. A bola passou por fora da barreira e o goleiro Oscar pulou para o canto, inutilmente. A bola, sutil como mandou seu regente, tocou de mansinho as redes e Moura comemorou como se estivesse num jantar no Copacabana Palace, vestido de smoking, categoria até no levantar das mãos.
Por obra e talento de Moura, o monarca vermelho, o ABC não foi octacampeão potiguar, de 1993 a 2000. Moura tirou a cereja do bolo. Sóbrio, tocando a bola sem irritar, olhar de bússola conduzindo o time inteiro.
Moura ficou em Natal e liderou o acesso do América à Série A. Em 1997, os grandes do Brasil vieram a Natal. Moura permaneceu titular e, em torno de sua virtuose, o América fez uma campanha bonita, perdendo em casa apenas para o São Paulo, quando já estava longe do rebaixamento.
Um dos lances mais belos, vistos por mim no destruído Machadão, foi o primeiro gol contra o Cruzeiro, aos dois minutos de partida. Estava na tal arquibancada em diagonal, desta vez o América atacando rumo ao gol do placar. Triangulação aos dois minutos de partida, Moura bate de curva, com a "chapa"direita, bola dormindo no ângulo. O goleiro era Dida, titular da seleção brasileira na Olimpíada de 1996 e na Copa do Mundo de 2006.
Em 1999, sacaram Moura do time titular. Ele respondeu comandando um 3x0 devastador sobre o ABC, numa noite de quarta-feira, quando não comemorou nenhum gol, ferido nos brios. Foi o ano em que o América vendeu a Pousada do Atleta para contratar 20 times inteiros e perder o título no gol contra do zagueiro Marcelo Fernandes.
Nenhum texto descreve melhor Carlos Moura, de futebol dourado como o sobrenome, do que a frase de um recifense, especialista em cobranças de falta com a camisa do Vasco da Gama.
Repórteres perguntaram a Juninho Pernambucano, em sua fase áurea, como ele conseguia bater tão bem na bola. " Aprendi vendo Moura, no Sport, bater falta. Aprendi com Moura". É dos grandes reis saber ensinar para que a sua arte seja herdada e encenada pelos palácios tracejados em quatro linhas. Moura, o eterno monarca vermelho.
* Texto publicado na Coluna Passe Livre, do Jornal de Hoje, desta quinta-feira (12/01/2012)
Vamos continuar apostando na Timemania
A impressão que ele sempre me passou, do longe dos meus olhos e do desejo de vê-lo com a camisa igual à minha, foi a de um monarca da paz em campo. Seu jogo desafiava a aparência de lentidão com a classe temperando o arranque felino das panteras.
Mas ele transmitia paz. Nos seus toques, dribles, cobranças de falta. Na batida de bola de "chapa", a parte interna do pé, charme que a natureza reservou para os privilegiados da bola. Moura, do América, conseguiu aliar ao futebol seu próprio jeito de ser.
Em 1996, o ABC contava com um campeonato ganho por antecipação, o suicídio em verbete do futebol. Era o franco favorito e caminhava solene para o tetracampeonato. Até a chegada de Moura, do goleiro Jorge Pinheiro, do volante Washington Lobo.
Moura estava no Sport, sem a atenção que lhe era indispensável por títulos e clássicos vencidos no calor humano escaldante da Ilha do Retiro, na aristocracia em pequeno espaço geográfico dos Aflitos, território do Náutico e na democracia cativante do Arruda, gigante do povo humilde do Santa Cruz.
O América trouxe Moura. E a energia de sua presença com a camisa 10 mudou o rumo da prosa escrita e o seu final. Moura, que surgiu em Brasília, de atacante, descobriu-se em Natal um meia-atacante e armador de domínio sobre cada partida.
Moura, que o narrador Hélio Câmara batizou, com precisa paixão de O Paquistanês, ostenta, no semblante, aspectos de profeta árabe. O seu alcorão sempre foi a doutrina da sutileza, a capacidade de eletrizar um jogo sem perder a elegância.
Enganaram-se os que incluíram no repertório de Moura a frieza. Ele jamais foi um ser artificial. Craque lida com emoção popular e Moura, pairando pela meia-cancha, surgindo por trás do beque e dando o bote no goleiro, traduzia o sentimento literal da beleza de um jogo.
Moura vestiu a camisa do América e saiu pelo Machadão. E acabou o sossego alvinegro naquele 1996, com o arrogante Estevam Soares tramando esquemas que o monarca vermelho destruía numa ginga de corpo sobre o bom e falecido volante Ivanildo ou sobre o paranaense Marquinhos Ferreira, correto e também vencido com lealdade.
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O ABC perdeu o campeonato de 1996. Moura bateu uma falta de curva, no primeiro jogo das finais. Lembro que estava na arquibancada olhando o lance em diagonal, o Frasqueirão era do lado que dá para a avenida Romualdo Galvão e um pouco para a BR-101.
Moura ajeitou a bola com uma calma tibetana. O ABC tinha de quarto-zagueiro Romildo, um dos maiores campeões do Rio Grande do Norte, capitão de raça e fibra. Romildo e o seu companheiro Mozer tentaram atrapalhar a cobrança, apontando ao juiz o local que consideravam certo, claro, mais para trás.
Moura, mãos na cintura, parado, esperando a encenação passar e as duas torcidas berrando. A do ABC, aos palavrões, tentando enervá-lo. A do América, ansiosa pelo desenlace em vibração.
Depois de dois minutos de espera, Moura chutou. Ou arremessou de pé direito. A bola passou por fora da barreira e o goleiro Oscar pulou para o canto, inutilmente. A bola, sutil como mandou seu regente, tocou de mansinho as redes e Moura comemorou como se estivesse num jantar no Copacabana Palace, vestido de smoking, categoria até no levantar das mãos.
Por obra e talento de Moura, o monarca vermelho, o ABC não foi octacampeão potiguar, de 1993 a 2000. Moura tirou a cereja do bolo. Sóbrio, tocando a bola sem irritar, olhar de bússola conduzindo o time inteiro.
Moura ficou em Natal e liderou o acesso do América à Série A. Em 1997, os grandes do Brasil vieram a Natal. Moura permaneceu titular e, em torno de sua virtuose, o América fez uma campanha bonita, perdendo em casa apenas para o São Paulo, quando já estava longe do rebaixamento.
Um dos lances mais belos, vistos por mim no destruído Machadão, foi o primeiro gol contra o Cruzeiro, aos dois minutos de partida. Estava na tal arquibancada em diagonal, desta vez o América atacando rumo ao gol do placar. Triangulação aos dois minutos de partida, Moura bate de curva, com a "chapa"direita, bola dormindo no ângulo. O goleiro era Dida, titular da seleção brasileira na Olimpíada de 1996 e na Copa do Mundo de 2006.
Em 1999, sacaram Moura do time titular. Ele respondeu comandando um 3x0 devastador sobre o ABC, numa noite de quarta-feira, quando não comemorou nenhum gol, ferido nos brios. Foi o ano em que o América vendeu a Pousada do Atleta para contratar 20 times inteiros e perder o título no gol contra do zagueiro Marcelo Fernandes.
Nenhum texto descreve melhor Carlos Moura, de futebol dourado como o sobrenome, do que a frase de um recifense, especialista em cobranças de falta com a camisa do Vasco da Gama.
Repórteres perguntaram a Juninho Pernambucano, em sua fase áurea, como ele conseguia bater tão bem na bola. " Aprendi vendo Moura, no Sport, bater falta. Aprendi com Moura". É dos grandes reis saber ensinar para que a sua arte seja herdada e encenada pelos palácios tracejados em quatro linhas. Moura, o eterno monarca vermelho.
* Texto publicado na Coluna Passe Livre, do Jornal de Hoje, desta quinta-feira (12/01/2012)
Vamos continuar apostando na Timemania
8 comentários:
Que belo texto, cheguei a me emocionar, e lembrar como Moura é importante para o Mecão, ao Jornalista Rubens Lemos Filho, tal qual o pai, mostra toda sobriedade e inteligência de uma pessoa sensível, de bom gosto e amor ao futebol.
Wherton Amaral
O Rubens Lemos Filho acho eu que é americano,mas além do AMÉRICA ele torce pra um time do sudeste.Pow os jonarlistas eram pra ser os primeiros a apoiar que gente do nordeste só deve torcer pra os times do seu estado.
Pedro Henrique
Nordestino de coração torce pelo time de sua região.
Sergio,
Sou fã incondicional desse ser humano fantastico, Moura é o bom amigo que todo mundo gostaria de ter.
Merecida Homenagem.
Parabens pela consideração ao grande idolo da nação Americana e em especial meu também !!
Williman Oliveira
O reconhecimento é, sem dúvida, uma das grandes virtudes dos grandes homens. Rubens Lemos Filho é um desses. E assim sendo, prova que para ser bom não precisa usar do puxasaquismo tão comum em certos "formadores de opinião". Um texto com tanta magia e verdade se torna mais ainda importante pois constata o reconhecimento de um torcedor do nosso maior rival com aquele que foi sem sombra de dúvidas um dos maiores camisas 10 que o futebol já viu.
E Moura se mantém fiel ao América até hoje e merece todo nosso respeito e idolatria. Maestro Moura de simplicidade de músico aprendiz.
ADAIL PIRES
Texto digno de um ser humano, que apesar de torcer pelo nosso rival, adora a arte do futebol. Lembro que o centroavante Wanderlei (Sport) fez parte destas contratações que venceram o estadual e obteve o acesso a serie A.
Pedro, o "Rubinho" é torcedor fanático da funerária-o que valoriza ainda mais essa homenagem a Moura- e tb. torce pelo Vasco da Gama.
Eu o admiro, pois se trata de um jornalista que expõe suas idéias de uma forma muito lúcida e sabe respeitar as torcidas adversárias, diferentemente de certos blogueiros ou dirigentes que aproveitam a internet ou a imprensa falada e escrita para agredir seus adversários, ficar, como se diz na gíria, "chiando" da torcida adversária e depois não entendem o porquê da violência entre as torcidas. Nessas brigas, podem ter certeza, há muito insuflamento por parte dos dirigentes que no objetivo desenfreado de obterem melhores rendas exageram na dose da emulação dos clássicos.
Eleazar Moura Jr.
"Até a chegada de Moura, do goleiro Jorge Pinheiro, do volante Washington Lobo", DESSES EXCELENTES CONTRATADOS, FALTOU CITAR O VANDERLEY "O ARTILHEIRO DE DEUS". MUITO BONITA E MERECIDA A HOMENAGEM AO NOSSO ETERNO CRAQUE "MOURA". SAUDADES DO BELÍSSIMO FUTEBOL DO NOSSO AMÉRICA NOS ANOS 90.
A ESPINHA DORSAL DO TIME, QUE CHEGOU DEPOIS: JORGE PINHEIRO, WASHINGTON LOBO, MOURA E WANDERLEI, ENTRARAM NA HISTÓRIA DO AMÉRICA. MERECIDA A HOMENAGEM AO GRANDE ÍDOLO DO AMÉRICA, QUE, AO LADO DO MEU QUERIDO E FALECIDO PAI, VIMOS JOGAR, NÃO ESQUEÇO AQUELE GOLAÇO DE FALTA CONTRA O GRÊMIO, NO GOL DA BR. TIVE O PRAZER DE CONHECÊ-LO E, AO MESMO TEMPO FALAR PARA O MEU FILHO, QUE NA ÉPOCA TINHA UNS 12 ANOS, QUE MOURA FOI UM DOS MAIORES JOGADORES DA HISTÓRIA DO NOSSO AMÉRICA.
CARLOS MOURA (TORCEDOR DO AMÉRICA).
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