18 de nov. de 2011

Voltar de vez - por Rubens Lemos Filho

Rubens Lemos Filho (jornalista)

No intervalo do jogo do América contra o CRB em Maceió, sai buscando programas de TV para esperar os 15 minutos de descanso dos dois times no Estádio Rei Pelé ou Trapichão. O controle-remoto, muitas vezes, me guia, eu obedeço. Hospedou-me no segundo episódio da recente minissérie Os Kennedys, que deixei gravada depois de assisti-la várias vezes, mania de alma antiga e inimiga do mundanismo social.

Por obra das coincidências táticas do destino, a cena mostra o velho Joe, uma víbora de ambição e genialidade, levando o filho John Kennedy ao bairro irlandês onde a família aportou miserável nos Estados Unidos. JFK, candidato ao Congresso Nacional, se assusta com a pobreza do lugar, lama e gente mal vestida cercando o carro luxuoso do pai, figura misteriosa,de notórias ligações com a Cosa Nostra, a Máfia.

JFK, ainda sem malícia política nem a luminosidade de emblema do clã enigmático e trágico, pergunta o que estavam fazendo ali, naquela imundície, se a campanha não teria de ser direcionada às classes mais conscientes. É o pai, sábio e bruxo, quem tira da cartola a frase que deve mover o América domingo na decisão diante do Paysandu.

Diz Joe Kennedy, sem mover um músculo do rosto de granito. “A única coisa boa de se começar por baixo é que você tem certeza de onde não quer acabar.” Mostrou ao filho, na forma cavilosa dos conspiradores , que foi a pobreza quem lhe inspirou para buscar a fortuna e que, o fracasso político seria, numa metáfora, o retorno às origens.

O América pode usar não só a frase de Joe Kennedy, mas o alcance positivo de sua tese sombria e cegamente ambiciosa para derrotar o Paysandu e nunca mais voltar para a Série C. O América nunca deixe de lembrar do que passou quando caiu e retornou ao Nivel 3(dentre 4), do futebol brasileiro e transformar Goianinha numa cidadela de volta sem perigo de retorno.

Ser gozado com requintes de humilhação, enfrentar guerras até para conseguir um lugar para jogar, ser roubado em partidas de moral duvidosa, são pancadas devidamente doloridas nas costelas de qualquer americano. E o masoquismo não é lá o mais nobre dos defeitos.

O América sofre desde sua queda na Série A. O pecado da soberba atinge qualquer despreparado e o ABC também foi vítima contumaz do título brasileiro da Terceira Divisão no ano passado. Veio acordar na corda bamba aos finalmentes da Série B.

O América suportou 2009 na Segunda Divisão mantendo-se na bacia das almas, na rodada final, encalacrado por dívidas e contratações erradas. No ano do acesso do ABC, punhalada que o fanático jamais aceitará, não houve concessões.

A torcida encheu o hoje cadáver Machadão esperando milagres numa vitória sobre o Brasiliense e uma combinação de resultados tão provável quanto a possibilidade de paz entre judeus e palestinos. Desceu o América, mas sobreviveu.

Sobreviver é virtude dos grandes. O ABC soube acordar do nocaute, reformular seus conceitos, ainda que tenha exagerado na dose da autossuficiência e se afastado das camadas populares que o transformaram em ente cultural da cidade. O ABC tomou ares de chique ou novo rico.

O América, vencendo domingo ao Paysandu, deve assimilar as lições do patriarca dos Kennedys e não se embriagar em comemorações. Precisa, corrijo, tomar pé da responsabilidade histórica antes de jogar.

Cartolas, jogadores e torcida formem um cordão de irmandade e amor que poderá fazer o caminho da volta algo poético, da lavra de José Américo de Almeida. O jogo do Nazarenão, a Bombonera do Agreste, é o mais importante desde aquele contra o Atlético(MG) em 2006, o da subida para a Primeira Divisão.

É o mais importante e mais importante. O América tem de lutar os 90 minutos como os Aliados no Dia D da Invasão da Normândia, durante a Segunda Guerra Mundial. É um exemplo épico e pretensioso do colunista. É.

Mas tanto os guerreiros comandados pelo general Dwight (Ike) Einsenhower quanto o tenebroso Joe Kennedy conseguiram provar, em métodos bem distintos, que longe é um lugar que não existe. E o maior desafio é saber vencer. Com grandeza e humildade. Para não perder de novo.

* Texto publicado na Coluna Passe Livre, do Jornal de Hoje, em 18/11/2011
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5 comentários:

Anônimo disse...

Rubinho fez com palavras o que o Mecão deve fazer com os pés e o coração. Importante que os jogadores tenham essa consciência e raça e determinação quando perderem a bola, mas sabedoria e tranquilidade com a posse dela, para encontrar o caminho do gol. Para não esperar apenas por eles, vou continuar rezando e torcendo.
Walsil

Andierison disse...

Para ser lido, compreendido e seguido.
Parabéns Rubinho.
Parabéns Sérgio Fraiman.

#PraCimaDelesMecão.

Anônimo disse...

Porra meu, alem de nao conseguir dormir, agora tambem to chorando!!!
Meu Mecao....me faça feliz!!!

wildsonrn disse...

sérgio, gostaria de parabenizar o Rubinho por mais essa bela escrita. Apesar de torcer pelo nosso maior rival, ele demonstra, através das letras, que é torcedor mais ainda do futebol do RN.
Parabés Rubinho, o "Armando Nogueira" do RN e obrigado pelo "a Bombonera do Agreste".

Flávio Carneiro disse...

Sérgio, morei em Belém do Pará durante três anos da minha vida. Um desses anos foi o de 1991, quando presenciei, ao vivo, in loco, a batalha entre Paysandu e o outro time aqui do nosso Estado. Sei muito bem como aquele povo enfrenta uma situação como essa. Eles têm o sangue guerreiro do índio da Amazônia nas veias. Todavia, estarei sempre nas fileiras, primeiras, de todas as batalhas do nosso MECÃO. Afinal de contas, se for por sangue guerreiro, prefiro o que descende, e corre nas nossas veias, do grande guerreiro Poty, Potiguar, América Potiguar, América de Natal. Parabéns Rubens. Parabéns Sérgio.

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