14 de out. de 2011

Scala, o imperador


Scala, o imperador

Rubens Lemos Filho
Jornalista

O veraneio de 1977 foi inesquecível na praia de Pirangi do Norte, na época um refúgio com charme paradisíaco nos arredores de Natal. Dava para tomar banho sossegado nas águas que nunca existirão em lugar nenhum.Pirangi se tornou moderna, fulanizada, petulante, piorou. A beira-mar de sossego agora é uma pista de esnobes competindo e suas ondas são disputadas por boçais, lanchas e jet-skis. Paredões de som atordoam e apodrecem a ostentação lamentável.
Meu irmão mais novo ainda não tinha um ano e descobriram nele uma alergia que iria requerer um ar saudável e um sossego que Natal ainda tinha, mas a poeira e a fumaça dos ônibus já incomodava os pulmões sensíveis de Camilo.
Lá fomos nós para Pirangi, cuja primeira casa pertencia a uma tia querida, Ana Maria, voz de uma quase Elis Regina e beleza suave. Alugamos outro imóvel, pertencente ao médico Quinho Chaves Filho. Ali conheci Luis Carlos Scala, de quem tanto ouvira falar na emoção do meu pai, seu amigo e comentarista da Rádio Cabugi, agora Globo AM.
Vi um homem esguio, olhar firme e gestos medidos. Bonito demais, diziam as senhoras casadas ou não, após doses de bebida. Scala tinha uma casa em Cotovelo, praia vizinha, cuidava de uma bem-sucedida imobiliária e tratou de tudo para a nossa família.
”Rubinho, ele era espetacular, o maior zagueiro que já passou por Natal”, contava Rubens Pai, como se voltasse aos clássicos com 35 mil tensões humanas no Estádio Castelão.
Scala tinha um andar de permanente atalho. Parecia a elegância que anos depois seria por mim encontrada em fitas do exuberante Canal 100, os cinco minutos gloriosos dos apaixonados por futebol que chegavam mais cedo aos cinemas.
O Canal 100 era melhor do que qualquer filme. Scala aparece em vários Gre-Nais pelo Inter, na inauguração do Gigante da Beira-Rio, marcando Eusébio , a Pantera do Benfica de Portugal com charme e lealdade e num jogo do Brasil contra a Iugoslávia, em 1968.
Scala, nos dias de praia aberta e mar de piscina, representava uma idolatria heróica para os torcedores do América e um respeito cívico dos admiradores do ABC. A importância histórica de Luís Carlos Scala remonta aos primórdios do estádio a ser transformado em poeira e lágrimas nossas.
Num lance de ousadia, o América, representante do Rio Grande do Norte no Campeonato Brasileiro de 1973, contratara o zagueiro titular do Botafogo(RJ), naquela época formando dupla com Brito, titular da seleção de 1970.
Scala ergueu a Taça Almir, orgulho de cada coração rubro, por significar a melhor campanha de um time do Norte/Nordeste no tal campeonato que o ABC não participou por estar punido, suspenso pelas escalações irregulares do quarto-zagueiro Nilson Andrade, do lateral-esquerdo Rildo e do meia Marcílio no ano anterior.
Scala foi um homem que passou à condição mitológica ainda vivo. Freqüentador curioso das cabines de rádio e das cadeiras intermediárias do Castelão, inúmeras vezes vi gente aos sussurros, tão logo irrompia no estádio o gigante em forma e estilo de imperador.
Scala, conteúdo de líder natural, calça jeans, camisa pólo, sapato mocassim, revistando a tropa para ser comentarista ou simplesmente assistir aos jogos nos quais nunca apareceu alguém igual em luminosidade.
Scala está para o América como um dia Elias Figueroa, o chileno que ocupou seu lugar de camisa 3 do Internacional sempre figurou para o time do Beira-Rio: O de comandante em campo, a estrela com carisma além da grande área que dominava com maestria e antecipação, prontidão de felino no bote ao atacante.
O ABC tinha um atacante imenso e apelido literal de guerra: Jorge, o Demolidor, um gladiador a violar a meta americana. O América sofria por jamais haver sido campeão no estádio-chique(esse era o termo da época), de Lagoa Nova.
Até 1974, quando Scala desconstruiu a fama de Demolidor e enfrentou, de igual para igual como numa batalha épica, o maior de todos, Alberi José Ferreira Matos. O América pôde, com ele impávido segurando o troféu, gritar é campeão no Castelão. Scala parou de jogar, mas continuou solene no imaginário vermelho.
Era Scala, aos 34 anos, na sofreguidão discreta pelo injusto corte da seleção brasileira em 1970, mais uma das tantas pirraças da cartilha zagalliana. Scala seria o reserva de Brito embora jogasse bem mais do que ele.
Ele e Djalma Dias eram os preferidos de João Saldanha, o João Sem-Medo, derrubado pela Ditadura. Que já havia pulverizado Scala e o centroavante Toninho Guerreiro, parceiro de Pelé no Santos e o ideal a sentar no banco para Tostão.
A semana avisa, cansada e saudosa, dos quatro anos de morte de Luis Carlos Scala Loureiro, de todos o melhor zagueiro, raça grega da grande área, de um estádio seu pai adotivo e também extinto companheiro.

Texto publicado na Coluna Passe Livre, Jornal de Hoje, em 14/10/2011
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3 comentários:

Anônimo disse...

Rubinho é simplesmente fantástico. Talvez por ele assumir a sua preferência clubística possa, de forma despudorada, dizer em poucas e verdadeiras palavras o valor de atletas que vestiram camisas diferentes da do seu clube de coração.
Tive o prazer de ver a elegância do zagueiro Scala. Simplesmente um craque na zaga do América. Parabéns Rubinho por ser uma das poucas exceções no quesito imparcialidade.
ADAIL PIRES

Sedna disse...

Grande! Scala. Sr. Luis Carlos Scala.Um grande corretor de imóveis, foi quando o conheci, no ano de 1988 um homem generoso, comedido e de um coração ímpar.Lembro-me como se fosse hoje e nunca mais esquecerei, eu e uma tia diante de tantas dificuldades para alugar um imóvel, com tantas burocracias e logo que chegamos a Scala Imobiliária, no então Ed.do Natal na Rua Joao Pessoa,orando e pedindo a Deus para que as portas se abrissem para nós, foi quando nos deparamos com aquele homem educado, simpático, e generoso e que logo que contamos a nossa situação,de que não tínhamos fiador, muito menos contra- cheques, mas nos comprometíamos de cumprir a risca com o contrato, ele não pestenejou e logo confiou e nos locou o imóvel o Apto 301 do Cond. Villa Morena- Bairro Latino. Moramos lá por 5 anos, fomos boas inquilíneas, nos tornamos grandes cccolegas do Sr. Scala, eu não sabia de sua existência no Futebol passado, se não teríamos tietado mesmo assim. Na sequência me casei, mudei de endereço entreguei o apto ao Sr. scala e não mais tive contato nem notícias constantes dELE. Foi quando um dia lendo o Jornal de Hoje vi a chamada para a sua missa de 30 dias de falecimento. Fiquei muito triste... Chorei,Orei e acendi velas para iluminar cada vez mais a sua passagem para o além. E até hoje, desejo-lhe de coração Sr. Scala. DESCANSE EM PAZ.

Anônimo disse...

TIVE O PREVILEGIO DE TER SIDO VIZINHO DE SCALA POR UM TEMPO EM COTOVELO E PARTICIPEI DE ALGUMAS PELADAS DE PRAIA EM QUE ELE ESTAVA PRESENTE. MESMO VETERANO , AINDA TINHA ELEGANCIA COM O DOMINIO DE BOLA E VISÃO DE JOGO , DESTACANDO-SE E MUITO DOS OUTOS PARTICIPANTES DA PELADA. INFELIZMENTE NÃO TIVE O PRIVILEGIO DE VÊ-LO ATUAR COMO PROFISSIONAL.
ASS: CLAUDIO NOBRE

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