15 de jul. de 2011

Uma mãe e um time


Uma mãe e um time

Rubens Lemos Filho - Jornalista


Ao desnudar a sua relação com o poeta Cazuza, Lucinha Araújo é fatal na frase do livro-confessionário: Só as Mães São Felizes. Lucinha fala dos seus erros, do amor infinito pelo filho rebelde e superdotado de doçura e brilho e da sua incapacidade de interpretar os versos que ele produzia.
Mães são felizes, compreensivas, sofredoras, protetoras, justas, injustas, são mães, únicas. Ninguém tem duas. A minha escreveu um livro pequenino, em 1995, em forma de carta à minha irmã, Yasmine, que estava em seu ventre durante o tempo do exílio no Chile. É um livrinho pequeno, gigante em emoção. Estou na capa, mamãe dando adeus a papai na escada do avião comigo no braço, gorducho, bem diferente do magrelo que viria a ser na infância.
Mamãe dedicou-se ao livro como se a um filho, como todo escritor faz. A impressão foi bem barata e ela fez questão de um lançamento com direito a convidados. Veio o cineasta Silvio Tendler, companheiro de papai no período de escape em Santiago.
O hoje marqueteiro do ex-presidente Lula e da presidenta Dilma, João Santana Filho, então trabalhando para o governador Garibaldi Alves Filho, também compareceu, a meu convite. O governador compôs fila, dispensou cerimônias, cumprimentou todos os vivos e apertaria as mãos dos mortos se lá estivessem.
Inúmeros amigos de minha mãe, que estava muito bem arrumada, alegre e satisfeita, pois vendeu mais de 200 exemplares, arrecadando o suficiente para o pagamento da edição e ainda alguns trocados para ela.
Poucos dias antes, muito bem divulgado o livro pelos jornalistas amigos, questionei de dona Isolda Melo Lemos o motivo de a noite de autógrafos (foto), acontecer justamente na sede do América Futebol Clube.
Sugeri locais mais ecumênicos, porém ela foi inflexível. “Vai ser no América, meu filho. Quem for meu amigo vai, seja americano ou não. E o América faz parte de minha vida. Sou americana, de coração”. Ao ver seus olhos marejados, desisti de qualquer réplica. Mamãe viveu sua infância em frente ao clube, viveu os bailes do América. E a força jamais dobrou o amor.
Quando contestei minha mãe, tinha 25 anos e, embora jornalista, trabalhando em assessoria de imprensa, vivia a plena intensidade de torcedor fanático. Nasci ABC e fiquei perplexo ao ter de pisar na sede do clube que tantas vezes me fizera voltar para casa chorando de raiva ou vibrando de euforia dependendo do clássico no Castelão.
Digo como mantra que o time acompanha o homem do berço ao túmulo. Troca-se de cueca, de fechadura, de mulher, de dentadura. O amor por um time é eterno até após a morte, mesmo sem acreditar em nada que não se mova ou tome atitude. O vira-casaca no futebol é o crápula consagrado.
Fui ao lançamento do livro depois desta lição que mamãe me aplicou sem precisar me dar um grito. Entrei nos salões da Babilônia da Rodrigues Alves que, menino, observava com desmedida inveja, porque meu clube era apenas um time, algo que mudou para o bem de todos, ainda que a sua essência de expressão de massa tenha ficado perdida no tempo pretérito.
Há dois anos, encontrei o então presidente do América, José Rocha, numa solenidade pública. Contei para ele – que já sabia – do amor de mamãe pelo clube. Alguns dias depois, ela recebe uma camisa oficial dentro de uma bela embalagem, com dedicatória.
A mulher que me cometeu e jamais festejou uma vitória do seu clube sobre o meu para não me ver sofrer, decretou, entre os terços da fé que ameniza suas saudades: “Nesta blusa (é do tempo de blusa) do América ninguém mexe. É minha. Só minha.”
O América é uma instituição da cidade e faz 96 anos. Merece o respeito de todos. Ser torcedor significa incentivar a rivalidade, a gozação sarcástica, inteligente. Jamais a provocação fulanizada, preconceituosa, de nível escatológico. “Chupa América”, “Chupa ABC”, escritos em redes sociais freqüentadas por gente dita de sociedade são expressões de superlotação carcerária.
Ou mais ainda a violência nos estádios que não são galerias de presídio. Mas parecem em certos dias. O América vencedor e grande é que vale a pena ser combatido e vencido pelo ABC. As mães haverão de concordar que o ódio serve apenas ao derrotado por vocação.

*Texto publicado na Coluna Passe Livre, do Jornal de Hoje, sexta-feira, 15/07/2011
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4 comentários:

Anônimo disse...

Parabens rubinho. Filho de um grande homem, um grande homem é.

augusto varella.

Anônimo disse...

Parabéns Rubens! Belas e sábias palavras. Rivalidade deve andar junto da amizade, pena que poucos não pensem desta forma.

Júlio César

Carlinhos Rosado disse...

Parabéns Rubens Filho. Chega a ser bastante emocionante as suas palavras. Abraços.

Anônimo disse...

Bonitas e emocionantes as palavras, o único senão é quanto ao comentário sobre uma pessoa que absolutamente não foi nem será referência para a juventude séria.
Lucio Azevedo.

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